Russos testam com sucesso motores mesmo com sistema de refrigeração danificado
A nave Soyuz MS-22, lançada em setembro passado com Sergey Prokopyev, Dmitri Petelin e Franco Rubio, e que está acoplada no módulo Rassvet da estação espacial internacional, tem sido o cerne de uma discussão desde que foi detectado um vazamento de líquido regulador no radiador da espaçonave. Enquanto a imprensa ocidental prolifera em críticas e desconfianças à capacidade da nave de funcionar num eventual retorno à terra, a agência espacial russa anunciou que fez um teste com os motores de atitude (DPO) na última sexta-feira, dia 16, e o funcionamento foi perfeito.
Os motores são usados para orientar a nave em manobras de ajuste fino e em um eventual cenário de falha no motor principal SKD, e são capazes de tirar a nave de órbita numa situação de emergência. Como geradores de muito calor, os motores são refrigerados pelo sistema de radiador ativo que sofreu pane esta semana, mas podem funcionar em regime especial, apenas com o isolamento passivo.
A bordo da ISS, além de Prokopyev, Rubio e Petelin, estão a cosmonauta Anna Kikina, os astronautas da NASA Josh Kassada, Nicole Mann e o astronauta do Japão, Koichi Wakata.
De acordo com informações preliminares da mídia oficial russa, na quinta-feira, 15 de dezembro de 2022, a nave sofreu um vazamento de liquido refrigerante pois “o revestimento externo do compartimento de montagem de instrumentos e equipamentos (priborno-aggregat otsek – PAO) da espaçonave foi danificado.” Este revestimento externo, um cilindro de alumínio e um tronco de cone pintados com tinta enamel branco-mate, é o suporte dos tubos do sistema de regulagem térmica da nave espacial, o SOTR, que funciona com 34 litros de líquido, isooctano e triol, sendo circulados em serpentina a pressão 100 cm3/s, ou 0,5-2,0 kg/m2 em 360 a 1.470 mm Hg para manter a temperatura no interior do compartimento de propelentes e também na caixa hermética separada que contem os eletrônicos da espaçonave. Parte desse termorregulador é bombeado atraves de dois feixes de tubos para a parte da nave que é ocupada pelos cosmonautas – a cabine SA (veículo de descida, spusskaemi apparat) e o compartimento de habitação BO, bitovoy otsek.
A Roskosmos afirma que o dano foi devido ao impacto de meteorito ou detritos espaciais. Como resultado da ruptura do compartimento de montagem de instrumentos “PAO”, o líquido refrigerante vazou, através de um orifício no radiador externo da Soyuz. O compartimento de instrumentos e montagem é um módulo que não é habitado e tal dano não representa uma ameaça direta à tripulação.

Não demora para se voltar do espaço – cerca de três horas – e os motores não precisam funcionar todo esse tempo, e a faixa de temperatura em que o combustível precisa ficar é fácil de manter no espaço porque o sol aquece o casco externo. O principal aqui é manter um equilíbrio entre resfriamento e aquecimento. Em princípio, a Soyuz pode fazer a reentrada e pousar dentro do prazo normal de três horas e meia (após o módulo de serviço PAO ser descartado, a cápsula SA tem seu próprio sistema térmico, funcionando com água, para regular a temperatura durante a descida).
A temperatura do ar no volume do compartimento de habitação (BO) e na cabine (SA) estão na faixa de 18-25°C (com possível diminuição para 10°C e aumento para 30°C em até três horas por dia); a umidade relativa do ar está na faixa de 20-80%, sendo possível aumentar a umidade em até 90% no mesmo período); Já a temperatura do gás no compartimento de instrumentos (PAO, onde o radiador foi atingido) e nos gabinetes de fiação e equipamentos do compartimento de aviônicos fica entre 0 e 40°С; enquanto que na seção de motores, a temperatura dos tanques, conjuntos e tubulações de propelentes no compartimento agregado e no compartimento de transição está dentro de 0 a 30 ° C (excluindo o aquecimento pontual e normal quando os motores DPO de ajuste estejam em funcionamento).
A proteção EVTI pode conter um fragmento grande ou um meteorito de até 1 centímetro a uma velocidade de cerca de 8 km / s, a velocidade na qual os detritos espaciais podem voar.

A cosmonauta Anna Kikina usou o manioulador remoto ERA, instalado no módulo russo MLM Nauka, para filmar a nave, com sensores infravermelhos inclusive, e não foi notado mais o vazamento.
“Eu não descartaria um mau funcionamento interno simplesmente porque este sistema está sob pressão, a opção de algum tipo de entroncamento ou ruptura de alguma linha ou bomba é bem possível. É mais fácil culpar o meteorito, mas em quase todas as situações de emergência anteriores no espaço, ainda era o homem, não a natureza, a culpada. Você pode se lembrar do buraco na Soyuz MS-09, e lá também, a princípio eles disseram: “Talvez um micrometeorito.” E quando a NASA publicou imagens que mostram claramente o buraco de broca, a Roskosmos disse: “Bem, sim, foi um furo de dentro, aparentemente”. Se a NASA não tivesse publicado, eles ainda estariam falando sobre o meteorito. Não sabemos exatamente o que aconteceu, o que causou a quebra da linha de refrigerante, e vamos aguardar os resultados se a Roskosmos os tornar públicos” – disse o especialista russo independente Vitaly Yegorov em entrevista recente.
É praticamente impossível reparar tais danos em órbita se for uma penetração com violação de várias camadas da camada de proteção EVTI e da tubulação. “Não existem tecnologias para simplesmente preparar, soldar e torcer com fita isolante. De qualquer forma, a próxima espaçonave, a Soyuz MS-23, já está sendo preparada em Baikonur, e pode ser lançada em modo não tripulado para que chegue à estação e a tripulação possa voltar para casa com segurança. Mas sugiro que trabalhem até o final da próxima expedição, para não desperdiçar a nave. Só que os astronautas teriam uma expedição não por seis meses, mas por um ano. É difícil, mas viável – tais prolongamentos de expedições já aconteceram.” – analisa Yegorov.
A opção mais extrema seria pedir ajuda aos americanos para enviar uma nave Crew Dragon da SpaceX, que poderia realizar essa missão de resgate. Elon Musk não recusaria, e talvez a NASA até pagasse por esta expedição, porque a tripulação inclui o americano Frank Rubio. A NASA certamente está interessada em seu retorno seguro e talvez pudesse pagar por um voo de emergência da Crew Dragon, mas a agência espacial russa fará de tudo para evitar esse cenário por razões políticas.
Como funciona o sistema de controle térmico
O SOTR consiste numa parte ativa, o sistema termoregulirovaniya STR (Sistema de controle térmico) e numa parte passiva, o sredstva passivnogo termoregulirovaniya SPTR (auxílios de ajuste térmico passivo). O STR é um sistema que inclui vários circuitos hidráulicos: Kontur zhilykh otsekov KZhO (circuito do módulo habitável), kontur navesnogo radiatora KNR (circuito do radiador anexado), kontur vodyanogo okhlazhdeniya (KVO) (circuito de refrigeração a água), promezhutochnyy kontur podogreva (PKP) (circuito de aquecimento intermediário) e kontur otkachki kondensata KOK (circuito de evacuação de condensado).
O calor do Sol impinge 1.400 Watts/m² para a Soyuz, e a reverberação dessa radiação na Terra acrescenta 700 W/m². A própria radiação do nosso planeta acrescenta 200 W/m². A nave se aquece, já que cerca de 500 W são produzidos pelos equipamentos eletrônicos, e cada cosmonauta emite cerca de 100 W.

A espaçonave possui o sistema SOTR que permite regular sua temperatura. O SOTR tem uma parte passiva, a camada de proteção térmica (isolamento térmico) EVTI de cor grafite escura em cobertores costurados no casco externo. Quando a espaçonave está acoplada na ISS (99% de sua vida operacional), é suficiente protegê-lo dos fluxos de calor.

Durante as fases de voo autônomo, o isolamento passivo não é suficiente. É preciso um sistema ativo, além de evacuar as calorias, o STR e consiste principalmente em três loops. O primeiro loop permite captar as calorias produzidas no interior do compartimento, por meio de dois aparelhos denominados KhSA. Há um no Compartimento de Descida (SA) e outro no Compartimento de Habitação (BO). Esses dois KhSAs captam as calorias e as transmitem para um fluido de transferência de calor, o triol, que circula no circuito graças a uma bomba ENA3. O fluido então passa por um trocador de calor (ZhZhT) e transmite as calorias para o segundo circuito.

As soluções disponíveis
O sistema de termorregulação SOTR vazando não pode ser completado em órbita; seu fluido de isooctano é carregado durante o processo de abastecimento no predio de montagem e teste MIK no cosmódromo de Baikonur logo após o abastecimento do propelente; o sistema de termorregulação tem dois circuitos, e apenas um pode manter a espaçonave funcionando, caso a falha não esteja na tubulação antes da separação dos circuitos. Caso não se detecte nenhum outro problema, a MS-22 poderia ficar acoplada com ventilação interna fornecida pelo ar-condicionado do módulo MLM Nauka para evitar o congelamento de umidade no sistema de controle de movimento SUDN e dentro do painel de controle de Neptune ME, para permitir que os cosmonautas disparem os motores de ajuste DPOs ou motor principal SKD para o controle da ISS – mas já existe uma nave de carga Progress MS acoplada na traseira do módulo Zvezda que cumpre esta função com mais eficiencia. Isso também evita danos ao sistema de computador da cabine e ao circuito eletrico (lampadas, ventiladores etc).
A opção de usar a Soyuz MS-23
De fato, fontes oficiais russas mencionam que lançamento da Soyuz MS-23, previsto para 16 de março de 2023, pode ser adiantado: “Em conexão com o incidente na Soyuz MS-22, os especialistas da Roskosmos estão considerando a possibilidade de mudar o lançamento da Soyuz MS-23 para mais cedo”, disse um especialiasta russo à mídia oficial (a nave russa pode fazer todo o trabalho de aproximação para acoplagem automaticamente). Outra fonte observou que o vazamento, se continuado ou agravado, pode levar à falha dos instrumentos da nave, que poderá perder capacidade de se resfriar no lado exposto ao sol e congelar na sombra durante a órbita. Agora, os especialistas da agência espacial russa estão considerando “medidas para garantir um regime térmico aceitável para a operação dos instrumentos” (justamente o fornecimento de ar condicionado no compartimento pressurizado), bem como o desligamento do sistema de circulação da serpentina avariada e conferência do bom funcionamento da serpentina duplicada.
Há 40 anos, em 1979, a nave de transporte Soyuz 32, que estava acoplada na estação orbital Salyut 6 com os cosmonautas Vladimir Lyakhov e Valery Ryumin, foi considerada “insegura” para reentrada devido a uma possível falha do motor principal depois que a nave-visitante Soyuz 33 (com uma tripulação internacional soviético-búlgara) apresentou defeito no seu motor; A missão de visita seguinte (URSS-Hungria), foi cancelada e no seu lugar a nave Soyuz 34 foi enviada sem tripulação, com motores revisados, acoplada automaticamente à Salyut e finalmente trouxe Lyakhov e Ryumin de volta normalmente em agosto daquele ano após um recorde de 175 dias voo na Salyut 6. (A Soyuz 32, com os motores ‘suspeitos’, foi desacoplada em modo automatico e voltou à Terra desocupada, pousando normalmente).
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