Russos retiram bandeiras ocidentais de foguete

A imagem das bandeiras sendo tapadas no foguete russo Soyuz é apenas o símbolo mais recente de uma divisão espacial se abrindo um pouco mais a cada dia. Mas não poderia ser diferente no atual contexto de guerra.
A degradação, até mesmo a cessação das colaborações entre a Rússia e os países ocidentais está se acelerando. A imagem dos técnicos do cosmódromo de Baikonur apagando as bandeiras dos países parceiros no foguete Soyuz 2.1b que deveria decolar em 5 de março é uma ilustração disso.
Na quarta-feira, 2 de março, o foguete Soyuz-2.1b foi transportado do edifício de montagem e teste da Área 31 do Cosmódromo de Baikonur. Agora ele está instalado no complexo de lançamento Vostok e sendo preparado para lançamento, que (ainda) está agendado para 5 de março às 01:41, horário de Moscou (19:41 de Brasilia). Ontem à noite a mídia oficial russa anunciara que os especialistas da Roskosmos estavam realizando operações tecnológicas de acordo com o programa de véspera do dia de lançamento. Em particular, foram montados circuitos e realizados testes de sistemas do estágio superior Fregat-M e dos tres estagios iniciais do foguete, bem como é verificada a interação de equipamentos de bordo e de solo. Todo o trabalho é realizado como parte da execução de contratos entre a Glavkosmos (uma subsidiária da Roskosmos) e clientes estrangeiros. A equipe conjunta de representantes dos clientes estrangeiros e as afiliadas da Roskosmos – a RKTs Progress, a S.A. Lavochkin, o centro de infraestrutura de lançamento TsENKI e a representante comercial Glavkosmos – está realizando trabalhos de pré-lançamento.

O Soyuz no topo do qual estão satélites da constelação OneWeb está na plataforma, mas tudo indica que provavelmente não decolará dia 5, conforme planejado inicialmente. Hoje, a agência espacial russa e seu diretor, Dimitri Rogozin, divulgaram um vídeo mostrando seus técnicos no processo de apagar qualquer menção aos países parceiros deste programa na carenagem do foguete. Metodicamente, usando adesivo branco, cobriram as bandeiras do Japão, Reino Unido, Estados Unidos e França. E provavelmente outras depois disso. O vídeo, postado no Twitter, é seguido do seguinte comentário: “Os técnicos de Baikonur decidiram que sem as bandeiras de certos países, nosso foguete seria mais bonito”.
Em outra declaração, a Roskosmos também anunciou cancelará o lançamento dos satélites se não receber garantias de que não serão usados para fins militares, disse Dmitry Rogozin. “Se não recebermos esse tipo de confirmação de nossos parceiros antes das 21h30 do dia 4 de março, o foguete será retirado da plataforma e os satélites serão enviados para o edifício de montagem e teste , disse Rogozin na quarta-feira no Rossiya -24 . “Acreditamos também que a verdadeira garantia de que a OneWeb funcionará exclusivamente para fins civis é a retirada dos acionistas do governo britânico. Se isso não acontecer, não aceitaremos nenhuma garantia” , acrescentou Rogozin. Durante o trabalho de pré-lançamento no domingo, 27 de fevereiro, o composto de cabeça (estágio superior Fregat e satélites sob a carenagem) foi acoplado ao terceiro estágio do foguete Soyuz-2.1b nº Ya15000-055. Na segunda-feira, esta montagem foi acoplada ao ‘pacote’ do foguete (composto pela primeira e segunda etapas). Ao final da operação, foram montadas as ligações elétricas e instaladas as tubulações para controle de temperatura.
“Hoje estamos fazendo um pedido aos nossos colegas franceses da Arianespace e da OneWeb com a exigência de nos oferecer garantias juridicamente vinculativas abrangentes dentro de dois dias de que a OneWeb não os usará para fins militares, não oferecerá serviços aos departamentos militares relevantes , disse Rogozin . Ele também disse que a Roskosmos tem sérias dúvidas sobre a OneWeb em relação às negociações com um empreiteiro do Pentágono americano. Em novembro passado, teriam recebido uma informação de que a OneWeb iniciou negociações com uma empresa americana que é contratada do Pentágono para oferecer serviços de informação e comunicação so departamento de defesa dos EUA e outros departamentos militares dos países membros da OTAN . A Roskosmos não devolverá o dinheiro do contrato OneWeb se o lançamento dos satélites não ocorrer. “O contrato foi pago integralmente, recebemos o dinheiro para isso. Devido a circunstâncias de força maior que surgiram como resultado da política agressiva do Ocidente e das sanções aplicadas contra a Rússia, esse dinheiro permanecerá na Rússia” , Rogozin explicou.
“Anteriormente nas redes sociais, havia muitas mensagens sobre um hacker invadindo a comunicação da Roskosmos com seus satélites. Quero alertar aqueles que estão tentando fazer isso que este é um crime que deve ser punido com muita severidade, porque a interferência em qualquer constelação espacial de qualquer país é o chamado casus belli, ou seja, motivo de guerra”, acrescentou Rogozin. Ele afirmou ainda que a corporação vai procurar os responsáveis por estes ataques e transferir os dados sobre eles para os serviços especiais para a instauração de processos criminais. Relatos do ataque contam que as comunicações via satélite foram invadidas pelos hackers ‘NB65’, que está associado ao grupo ‘Anonymous’.
Os satélites OneWeb são projetados para criar um sistema de comunicação espacial que oferece acesso à Internet de alta velocidade em qualquer lugar do mundo. A empresa planeja ejetar uma constelação completa de primeira geração até junho de 2022. Estavam previstos seis lançamentos do foguete Soyuz a partir de Baikonur, além de um lançamento, já realizado, do espaçoporto de Kourou, na Guiana Francesa. Anteriormente, foi relatado que, devido à situação internacional, a OneWeb ainda não decidira se o lançamento de Baikonur em 5 de março será adiado. A parte russa, por sua vez, afirmara estar pronta para continuar cumprindo obrigações contratuais e se preparando para o lançamento.
Mais um passo para o cancelamento do lançamento
No início do dia, Rogozin havia submetido a manutenção do lançamento ao fato de os países parceiros garantissem que os satélites seriam usados apenas para fins civis. Na tarde de hoje, a Roskosmos postou um novo tweet: “Devido à postura hostil do Reino Unido em relação à Rússia, outra condição para o lançamento das espaçonaves OneWeb em 5 de março é a retirada do governo do Reino Unido dos acionistas da OneWeb”. Basta dizer que as chances de ver o lançamento acontecer caíram drasticamente. O mais provável é que o foguete seja trazido de volta à sua sala de montagem e os satélites retirados de sua carenagem.
CNES e CNRS franceses também se distanciam
Do lado francês, o dia continuou com anúncios de duas de suas importantes instituições: o CNRS e o CNES. O CNRS anunciou em um comunicado de imprensa a cessação de toda colaboração científica com a Rússia. O CNES informou sobre a situação de certos projetos espaciais, reconhecendo a decisão unilateral da Rússia de retirar seus cidadãos do Centro Espacial da Guiana. A agência espacial francesa disse: “A chegada iminente dos novos lançadores Vega-C e Ariane 6 ao mercado permite considerar o reagendamento dos lançamentos institucionais europeus. O CNES implementou os procedimentos que permitem uma saída rápida, segura e supervisionada dos engenheiros e técnicos russos presentes na base espacial”. O destino do rover de Marte Rosalind Franklin, da missão Exomars, também foi mencionado.
Divórcio na estação espacial?
A ISS é um projeto conjunto dos EUA, Rússia, UE, Japão e Canadá. É condicionalmente dividida em os segmentos americano (na verdade internacional, pois tem laboratórios europeu e japonês, e um dos EUA) e russo. Mas, na situação atual, surgem regularmente propostas de ambos os lados para uma separação real e física dos segmentos, mas dificilmente são dadas por profissionais reais. Nenhum dos participantes se beneficiaria se o laboratório internacional fosse separado.
Já que os segmentos russo e americano são interdependentes, a ISS pode ser dividida? Algumas considerações sobre esta possibilidade:
O segmento russo pode voar autonomamente?
-Talvez, porque já trabalhou em modo automático quando não havia tripulação a bordo.
O segmento americano pode operar autonomamente ?
-Não, porque o computador controlador da estação está no segmento russo.
O segmento americano pode corrigir a órbita da estação?
-Não, porque não tem motores.
O segmento americano pode corrigir a orientação da estação?
Sim porque há CMGs (control moment gyros) nele, para gerenciamento de orientação sem consumo de propelente
Por que o ex-astronauta Garrett Reisman disse que o segmento russo não pode funcionar sem fornecida pelo lado americano?
-Reisman é um mentiroso contumaz
Por que isso é mentira?
– Parte das baterias do segmento russo (as do Zarya, especificamente) estão dobradas por estar à sombra do radiador do segmento americano. Portanto, há acordo sobre uma “compensação” por causa disso com eletricidade americana. Ademais o segmento russo tem outras baterias solares, que produzem sua própria eletricidade. Quanto à eletricidade, o segmento russo é algo deficiente em energia (consome em média 8 kW, gera 5 kW) e além disso, o sistema americano TDRS é usado regularmente para transmissão rápida de dados (além do sistema russo baseado em dispositivos Luch). A situação pode ser corrigida desligando alguns dos instrumentos (o que reduziria o valor científico dos módulos russos). O Módulo Científico e Energético, que já está sendo criado na RKK Energia, poderia resolver radicalmente a questão, mas muito provavelmente será incluído na futura estação ROSS nacional.
Quanto aos sistemas de suporte de vida e motores: A ISS começou com o ‘bloco de carga funcional’ Zarya FGB em 1998. E antes do lançamento do módulo de serviço Zvezda em 2000, foi o Zarya que corrigiu a órbita da ISS com seus motores e produziu eletricidade. Agora Zvezda está fazendo isso, e todos os módulos do segmento internacional foram entregues à ISS por ônibus espaciais, não possuindo motores próprios. Além disso, o módulo Zvezda abriga os principais sistemas de suporte à vida da estação: produção de oxigênio e reciclagem de água.
A altura da órbita da ISS é de cerca de 400 km, mas em um mês, devido à frenagem pela atmosfera rarefeita, diminui cerca de 2 km. Portanto, a órbita precisa ser elevada regularmente. Os motores dos cargueiros Progress são projetados para isso, e os próprios espaçonaves são acoplados para empurrar, mas não girar a estação. É importante que a Progress possa usar não apenas seu próprio propelente para isso, mas o combustível do Zvezda (é possível a transferência de combustível bidirecional).
Os motores do Zvezda são projetados para corrigir a órbita da estação e descarregar os giroscopios de controle de atitude – CMGs – no segmento internacional. Os CMGs mantêm sua orientação sem consumo de combustível, mas precisam ser “descarregados” regularmente, transferidos para sua posição original. Para a última operação, são necessários motores, também usados para evitar colisões com detritos espaciais e outras naves, o que aconteceu mais de uma vez em 2021.
No final da década, a estação de 440 toneladas será desorbitada. Esta é uma tarefa não trivial, e simplesmente impossível sem a Rússia.
Alguns sugerem que em caso de desacoplagem do segmento russo, a correção orbital da parte americana poderia ser realizada por espaçonaves de carga Cygnus da Northrop Gurmman. Mas até agora, apenas um experimento desse tipo foi realizado : em 2018, antes de desacoplar, o cargueiro ligou o motor principal por 50 s, elevando a altura da estação em 86 m. O experimento foi classificado como bem-sucedido. Um experimento semelhante está planejado com o cargueiro Cygnus da atual missão NG-17 recentemente acoplado na ISS. O veículo foi otimizado para levar mais combustível. Portanto, pode-se esperar que seu motor principal eleve a órbita um pouco mais alto em abril talvez até algumas centenas de metros. Mas ainda assim, ainda não é suficiente para manter totalmente a altitude desejada da estação.
Porém, a desconexão da parte russa envolveria uma enorme operação logística, já que uma grande quantidade de cabos e conectores estão montados no casco externo dos módulos, em especial na junção entre Zarya e Zvezda; foram instalados para dar suporte às linhas elétricas e de dados entre os módulos, e há inclusive fiação que vem do setor americano. Seria necessárias horas e horas de trabalho extraveicular, e que deve ser montado com meses de antecedência: Há que se rever a documentação de cada instalação, checar croquis, desenhos 3D, dados técnicos e registros das atividades de montagem, para se proceder o trabalho em sentido inverso. Tudo isso deve ser encaixado no limite máximo de funcionamento de um cosmonauta trajando um escafandro espacial Orlan – cerca de 7 horas e meia.
Curiosamente, no caso de um hipotético desencaixe dos segmentos, o módulo Zarya deveria permanecer no segmento internacional, pois foi financiado com dinheiro da NASA. Mas de acordo com o acordo sobre a ISS continua sob controle e manutenção russos. Se os americanos poderão ligar os motores novamente e providenciar a transferência de propelente – os atuais cargueiros americanos Cygnus e Dragon não são projetados para isso – é uma grande questão. Atualizar espaçonaves para transferência de combustível nos dois sentidos? A questão é quanto tempo isso iria demorar, se isso faz mesmo sentido se a ISS está programada para ser desorbitada por volta de 2030.
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