Musk: Um Dom Quixote do niilismo planetário?

“Os planos não tem realidade científica” – diz astrofísico francês sobre a ideia do bilionário de colonizar Marte

A ideia de Elon Musk da iminente colonização de Marte não tem base científica, uma vez que o Planeta Vermelho é completamente impróprio para a vida, escreve o astrofísico francês Louis d’Hendecourt nas páginas do jornal Le Monde. Segundo ele, seriam necessários milhões de anos para criar condições em Marte às quais os humanos pudessem se adaptar. Em vez de ilusões sobre a vida em Marte, tal empresário deveria pensar em resolver o problema do aquecimento global na Terra, acredita o cientista.

Recentemente, a mídia escreveu com entusiasmo sobre o sucesso impressionante de breves voos suborbitais de bilionários isentos de impostos que desejam desenvolver o nicho de turismo espacial , embora tais voos existam desde 1960, escreve o astrofísico francês Louis d’Hendecourt nas páginas do Le Monde. Segundo ele, a era do turismo espacial começou com o foguete X-15 da Força Aérea dos Estados Unidos, que, no entanto, estava reservado para pilotos experientes, entre eles Neil Armstrong, o primeiro “turista” lunar a voar há 52 anos. [*]

Assim, as conquistas tecnológicas dos aparelhos modernos são bastante modestas, e a necessidade de motores-foguete ainda é relevante: é impossível sair do planeta sem o “desperdício” de meios tecnológicos, bem como sem custos ambientais catastróficos em todos os níveis, o autor lembra.

Enquanto Elon Musk, com sua empresa SpaceX, amplamente apoiada pela NASA e seus muitos sucessos, parece ser o jogador mais progressista no mercado espacial, sua abordagem à exploração espacial pode ser chamada de clássica – semelhante à que foi desenvolvida pelos estados há 60 anos., comenta D’Endercourt. No entanto, Musk tem repetido várias vezes que seu objetivo é o planeta Marte, e que não se trata de viajar para lá para tarefas técnicas ou científicas, como foi o caso da Apolo na Lua, mas sobre a colonização do Planeta Vermelho, o cientista lembra. Este plano é baseado na ideia de que após o esgotamento dos recursos da Terra, Marte nos dará uma “mãozinha” e se tornará uma espécie de novo Oeste Selvagem com promessas “ilimitadas”, explica o autor do artigo.

No entanto, Marte é um planeta completamente inabitável, garante o especialista, acrescentando que o próprio conceito de habitabilidade é amplamente contestado pelos cientistas e não tem uma definição clara. Quanto a Marte, os planos para sua colonização baseiam-se na afirmação de que existe um meio-ambiente no planeta, que costuma ser chamado de biosfera. No entanto, sem (ou quase sem) água, sem (ou quase sem) atmosfera, sem compostos orgânicos e voláteis, sem placas tectônicas que controlam o ciclo do dióxido de carbono na Terra, sem um campo magnético que protege contra a radiação cósmica , e com temperaturas, em comparação com as quais o cume do Everest pode parecer uma “sauna nos trópicos”, Marte é por definição um planeta desabitado, tanto para humanos quanto, provavelmente, para bactérias que ainda não foram encontradas lá, o especialista argumenta. Claro, o ser humano se adapta a [quase] qualquer condição. Ele explorou fossas oceânicas, sobreviveu aos invernos da Antártica e até passou vários dias na Lua. Mas convém referir que estes habitats humanos temporários tornaram-se possíveis graças à criação de condições que lhes são familiares, baseadas em ferramentas e tecnologias inovadoras e significativas que de forma alguma garantem a durabilidade destes habitats perigosos, nota o astrofísico. Como o autor lembra, até a Estação Espacial Internacional (ISS) é abastecida com a espaçonave Musk, que transporta comida, água e oxigênio. [**]

Para que Marte se torne habitável de acordo com o grande sonho e promessa do fundador da SpaceX, tudo o que é necessário para a vida humana, obviamente, deve estar presente e preservado no planeta, enquanto não houver isso em Marte, o cientista chama a atenção. A maior parte da água desapareceu do planeta 3,3 bilhões de anos atrás, apenas o basalto está presente na superfície e não há terras adequadas para cultivo. Além disso, a inexorável radiação tornou o planeta completamente estéril e impediu o possível desenvolvimento da vida, que levaria bilhões de anos para se tornar semelhante à Terra, à qual as pessoas poderiam se adaptar, explica o especialista.

“Em outras palavras, o ‘terraforming’ de Marte levaria milhões de anos com um resultado predeterminado: com sua baixa gravidade, Marte simplesmente não seria capaz de manter essa atmosfera, e ninguém, nem Musk nem o Papa, podem negar que o planeta vermelho está morto’ ” .

Mas, além dessa realidade científica e do desrespeito ao problema ético associado ao fato de que apenas alguns habitantes “privilegiados” da Terra poderiam ser salvos em Marte, surge outra questão extremamente importante, à qual Elon Musk não dá a devida atenção: é possível voltar a torná-lo apto para a vida? É possível, por exemplo, simplesmente reduzir o nível de dióxido de carbono na atmosfera, responsável pelo aquecimento global, e fazê-lo em uma única geração, questiona o cientista. Do seu ponto de vista, isso é impossível, pelo menos não sem esforços significativos que ultrapassariam todos os orçamentos previstos por Elon Musk para a “ilusória” colonização de Marte. A física é implacável neste caso, uma vez que a reconversão das emissões de dióxido de carbono da atmosfera exigirá custos de energia pelo menos iguais e provavelmente superiores a todos os recursos de energia fóssil extraídos desde 1750.

No entanto, esta é uma tarefa muito mais interessante do que a sugerida por Elon Musk, um “Dom Quixote do niilismo planetário seduzido pela ignorância e credulidade de uma sociedade completamente divorciada da realidade científica”, conclui o autor do artigo.

Notas

[*] – Aqui o cientista francês faz uma comparação forçada; os voos do avião-foguete X-15 não tiveram nada a ver com turismo espacial, e sim com pesquisas sobre voos de aeronaves alta performance com capacidade suborbital

[**] – A ISS é também reabastecida por espaçonaves Cygnus e Progress

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Autor: homemdoespacobrasil

Astronautics

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